CELEIRO DA PATRIARCAL
É de um sinuoso percurso do agir, que fulmina em instantes — tornando-se visível, nos lugares e não-lugares — essa liberdade da exsudação e delapidação do tempo, pelo autor documentada.
Marcos Duvágo apresenta um corpo de trabalho com contornos auto-etnográficos, que tem como base a vida crua, essa vivida na 1.ª pessoa, por quem a mesma se documenta de tanto a tanto em instância fotográfica. Indexo a cada momento captado na emulsão está um outro evento, intangível e impermutável, mais amplo quando comparado; um — cujo ângulo objetivo não é o de uma lente, mas sim aquele açambarcante de uma realidade plena, responsável por essa sujeição e perda de si.
Um trabalho autoral onde não há âmbito construído no e em torno de uma intenção discursiva pré-delineada ou disciplinar; onde se descobre a vontade própria de dar ali espaço para que se manifeste a crueza da própria vida, vazada de mentira e encenação. Não reside nesta produção outro intuito senão o de objetificar aquilo que a vida mostra e revela a quem a oportunidade e consequências foram dadas a sentir no assim viver, e que por isso as acarretou e encarretou. Isto numa imagética não higienizada e na não infantilização do espectador pelo encobrimento, arranjo ou cenografismo dos elementos no empírico encontrados.
Estes são sopros resgatados, instantes recortados, de uma “saga”, de néscias, mas não menos que extásicas epopeias, partes, como que soltas páginas de uma narrativa maior que tem ainda hoje o seu ainda-e-sempre.
Nascido cosmopolita em Portugal, na cidade de Lisboa, Marcos Duvágo inicia atividade artística em âmbito profissional como muralista, ofício que manterá até à sua formação no ensino superior ao abrigo da Faculdade de Belas-Artes, na respetiva capital. Formado nas áreas de Escultura e Pintura, dará seguimento ao percurso aí instaurado com maior afinidade no explorar e aprofundar a utilização de técnicas e mecanismos de captação fotográfica, em especial de carácter analógico, recuperando para o seu léxico autoral características de alguns dispositivos, películas e suportes descontinuados e considerados até então como obsoletos; nessa base experimental reinventará na contemporaneidade, como que numa analepse face à narrativa tecnológica, aplicações destes materiais direcionadas a novos e originais propósitos, aos níveis estético e conceptual.
Aproximar-se-á em novo momento da academia na sua cidade natal, ingressando no mestrado de Antropologia na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, no ramo especializado na compreensão e investigação de Culturas Visuais.
Afastar-se-á progressivamente dos meios académicos e culturais vigentes, assim como do labor com outros artistas e participação em meios expositivos amplamente difundidos; não obstante, manterá longe das capitais uma ávida e prolífica produção própria, na maior parte dos casos apenas disponível no seu temporário espaço privado e dirigido aos que lhe são, por vias mais ou menos avessas, próximos. Numa postura de criação intensa e contínua, com atributos capilares do território antropológico, prolifera essa obra afeta a uma crueza associada não raras as vezes a uma cultura marginalizada e subversiva, onde a veracidade e as noções de realidade não infantilizadas ganham protagonismo, em contrariedade com a tentativa de higienização destas noções, mesmo na cultura dita alternativa das metrópoles da Europa mais a norte.
Nos últimos anos foi premiado por variadas instituições representativas e consagradas pelo meio do qual em circunstância se aparta, e que reconhecem como pertinente a sua obra fotográfica: composta de peças por vezes mais outras menos oportunas e/ou confortáveis, mas sem hesitação — florescências únicas de uma visão sempre crua e de uma clareza nítida, face a alguma da natureza néscia e velada que permeia ela também o autor assim como a todo o ser humano.
M.D encontra-se até hoje num ininterrupto deambular, sem lar definido ou habitação fixa; permanente é seu movimento em sua in-constante viagem. Um nomadismo que confere à produção características particulares desse modo transumante de ir encarando o viver errando desapegando-se da vida nos seus culturais e contextuais limites; essas peculiares nuances, em cada um dos instantes lumínicos por seu gesto e olhar apercebidos, são posteriormente queimados nestas películas (então e algures) resgatadas; distinto e facilmente a ele associado, encontrar-se-á tal carácter com primazia na sua obra fotográfica.
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